A Língua Portuguesa em Xeque: O Embate Entre Aldo Rebelo e Alexandre de Moraes no STF
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi palco, nesta sexta-feira (23/5), de um embate verbal acalorado entre o ex-ministro Aldo Rebelo e o ministro Alexandre de Moraes. O motivo? Uma tentativa de interpretação da língua portuguesa por parte de Rebelo que não agradou em nada ao presidente da sessão. A discussão, que teve momentos de tensão e até ameaça de prisão por desacato, ocorreu durante o depoimento de Rebelo como testemunha de defesa do almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha, em um caso que investiga uma possível tentativa de golpe. A cena chamou a atenção para os limites da retórica e da interpretação em um ambiente jurídico tão sério.
O foco da discórdia surgiu de uma pergunta do advogado de defesa de Garnier, Demóstenes Torres. Ele questionou Rebelo sobre a possibilidade de a Marinha, sob o comando de Garnier, ter a capacidade de “dar um golpe sozinha”, lembrando que a denúncia menciona que Garnier teria colocado as tropas à disposição do então presidente Jair Bolsonaro. A questão parecia simples, um “sim ou não” na visão de Moraes, mas para Rebelo, a resposta exigia uma análise mais profunda das nuances da comunicação.
Foi então que Aldo Rebelo, conhecido por seu estilo eloquente e por vezes digressivo, tentou desconstruir a literalidade da frase. “Na língua portuguesa, precisamos colocar em consideração a força de expressão.
Quando alguém diz ‘estou frito’ não significa que esteja dentro de uma frigideira”, argumentou, antes de usar outro exemplo: “Quando alguém diz ‘estou à disposição’ não significa literalmente o que quer dizer’”. A ideia era clara: as palavras podem ter significados implícitos que vão além de sua definição explícita. No entanto, a “licença poética” de Rebelo não encontrou eco na bancada do magistrado.
A paciência de Alexandre de Moraes, conhecido por sua postura firme e por não tolerar desvios do foco processual, pareceu esgotar-se rapidamente. “O senhor estava naquela reunião? Não? Então, o senhor não tem condições de avaliar a língua portuguesa naquela ocasião. Atenha-se aos fatos”, advertiu Moraes, cortando a digressão de Rebelo. A resposta do ex-ministro, porém, não veio com a docilidade esperada: “A minha avaliação da língua portuguesa é minha”, retrucou, defendendo sua prerrogativa de interpretar. Esse foi o ponto de inflexão que elevou o tom da discussão.
A partir daí, a tensão na sala de audiência se tornou palpável. Moraes, sem pestanejar, elevou a aposta: “Se não se comportar, será preso por desacato”. A ameaça foi direta, um lembrete do poder que emana da cadeira que o ministro ocupa. Rebelo, visivelmente incomodado, mas tentando manter a compostura, respondeu: “Estou me comportando”. A réplica de Moraes foi ainda mais incisiva, exigindo uma resposta objetiva: “Então, responda à pergunta. Responde sim ou não”. A insistência de Rebelo em se esquivar de uma resposta binária – “Não. Não posso responder sim ou não” – acabou forçando o advogado de defesa a mudar de tática, seguindo para outra pergunta.
O episódio no STF não foi apenas um embate pessoal entre duas figuras públicas, mas também um reflexo das complexidades que envolvem a interpretação de declarações e intenções em processos judiciais de alta sensibilidade. A busca pela verdade, ou pelos fatos, como frisou Moraes, muitas vezes se choca com a subjetividade da linguagem e a interpretação pessoal. No contexto de acusações graves como a de conspiração ou tentativa de golpe, cada palavra, cada frase, ganha um peso e uma importância que transcendem a mera gramática.
O caso de Almir Garnier e a participação de Aldo Rebelo como testemunha ilustram o quão intrincado pode ser o caminho da justiça. O depoimento de testemunhas, crucial para a elucidação dos fatos, pode se tornar um campo minado de interpretações e confrontos. A discussão sobre a “força de expressão” e a “literalidade” das palavras não é meramente um exercício de linguística, mas uma questão central para determinar a culpabilidade ou inocência em um processo que tem implicações profundas para a democracia brasileira e a segurança institucional.
No final das contas, o episódio serve como um lembrete de que, mesmo em um ambiente formal como o STF, a comunicação e a compreensão podem ser desafiadoras. A rigidez da lei muitas vezes exige respostas claras e diretas, enquanto a linguagem humana é rica em ambiguidades e nuances. O embate entre Rebelo e Moraes foi um microcosmo dessa tensão, um momento que revelou as dificuldades de se traduzir a complexidade das interações humanas para o rigor do universo jurídico. E para quem assistiu, ficou a certeza de que a língua portuguesa, com suas peculiaridades, pode ser uma aliada ou um obstáculo, dependendo de quem a interpreta e de qual lado da bancada se está.
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