Com um tom de previsão quase sentenciada, o jurista Fernando Augusto Fernandes, em recente entrevista, jogou mais lenha na fogueira que arde em fogo alto no cenário político-jurídico brasileiro. Segundo ele, o ex-presidente Jair Bolsonaro não apenas será condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas a pena já teria até uma estimativa: pelo menos 25 anos de reclusão. A afirmação, feita à TV 247, ainda veio com um prognóstico de data para a prisão: entre outubro e novembro deste ano.
A análise de Fernandes joga luz sobre um dos processos mais tensos e acompanhados da história republicana. Desde que se tornou réu no STF em março, por uma teia de acusações que vão da tentativa de golpe de Estado à abolição violenta do Estado Democrático de Direito, o futuro de Bolsonaro tem sido objeto de intensa especulação. Para o jurista, a robustez das provas coletadas na investigação sobre a articulação de um golpe após a derrota eleitoral para Luiz Inácio Lula da Silva em 2022 torna o desfecho quase inevitável. A previsão de uma pena tão longa se baseia no que os advogados chamam de "dosimetria da pena", um cálculo complexo onde os crimes se somam e as circunstâncias agravam o resultado final.
A fala do jurista, contudo, não é um fato consumado, mas uma análise técnica baseada em sua interpretação do processo. A defesa de Bolsonaro nega veementemente todas as acusações, classificando o processo como perseguição política. O que se desenha, portanto, é um embate de narrativas que terá seu clímax nos corredores e no plenário do Supremo, com o destino de um ex-presidente e o futuro da estabilidade política do país em jogo.
O labirinto jurídico e a soma dos crimes
Para entender a previsão de 25 anos, é preciso mergulhar no emaranhado de investigações que cercam o ex-presidente. Não se trata de um caso isolado. O epicentro da acusação é a suposta trama golpista, que envolve reuniões ministeriais gravadas, o planejamento para impedir a posse do presidente eleito e a famosa "minuta do golpe" encontrada com seu ex-ministro da Justiça, Anderson Torres. Somente por este crime, de tentar depor um governo legitimamente constituído, o Código Penal prevê penas significativas.
No entanto, a conta não para por aí. Outros quatro crimes, segundo a denúncia, orbitam a acusação principal. Bolsonaro é investigado pela inserção de dados falsos em sistema público, no caso das supostas fraudes nos cartões de vacinação; pela apropriação e desvio de bens públicos, no rumoroso caso das joias sauditas; e pela participação em uma associação criminosa que, segundo os investigadores, atuava para disseminar desinformação e atacar as instituições democráticas – as chamadas "milícias digitais".
É a soma desses fatores que assusta a defesa e anima a acusação. No jargão do direito, ocorre o "concurso de crimes", onde as penas são somadas. A avaliação de juristas como Fernando Augusto Fernandes é que, ao analisar a participação de Bolsonaro como o mandante ou principal beneficiário do esquema, os ministros do STF aplicarão as penas em seu grau máximo, considerando a gravidade dos atos e o fato de terem sido, supostamente, cometidos pelo chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas. Cada peça desse quebra-cabeça jurídico adiciona anos à potencial sentença, tornando o número de 25 anos uma possibilidade real dentro da lógica processual.
O xadrez da defesa e o peso do Supremo
Do outro lado do tabuleiro, a equipe de advogados de Jair Bolsonaro trabalha em múltiplas frentes para desmontar o que consideram uma "narrativa acusatória". A estratégia principal é a negação da intenção de dar um golpe. Os defensores argumentam que as discussões sobre o estado de defesa ou a Garantia da Lei e da Ordem (GLO) eram apenas "cogitações" ou "estudos de cenário", sem qualquer ato concreto para sua execução. A famosa reunião ministerial, cuja gravação é uma das provas centrais, é classificada pela defesa como um momento de "desabafo" e não de planejamento de um ato de ruptura institucional.
Além disso, os advogados buscam a anulação de provas, questionam a competência do ministro Alexandre de Moraes para relatar o caso e insistem na tese de perseguição política, afirmando que Bolsonaro é alvo de um sistema que busca torná-lo inelegível e prendê-lo para neutralizá-lo como força política. A defesa aposta que, ao individualizar as condutas, muitos dos atos atribuídos a Bolsonaro não se sustentariam como crime, mas sim como exercício da liberdade de expressão ou atos de natureza política, ainda que controversos.
Contudo, o cenário no Supremo Tribunal Federal não parece favorável ao ex-presidente. O entendimento consolidado entre a maioria dos ministros é de que houve, sim, uma tentativa orquestrada de subverter a ordem democrática. As provas, que incluem delações premiadas como a de seu ex-ajudante de ordens, Mauro Cid, e o rastreamento de movimentações financeiras e digitais, são consideradas extremamente fortes pela Polícia Federal e pela Procuradoria-Geral da República. O julgamento, quando ocorrer, será um teste de fogo para as instituições, colocando frente a frente a interpretação da lei penal e a pressão de um cenário político ainda polarizado.
O Brasil em suspenso: as consequências de uma prisão
A possível prisão de um ex-presidente da República é um evento sísmico em qualquer nação, e no Brasil não seria diferente. A previsão de que isso possa ocorrer ainda em 2024, ano de eleições municipais, adiciona uma camada extra de tensão. Uma eventual condenação e ordem de prisão contra Jair Bolsonaro desencadearia reações imediatas e profundas em todo o espectro político e social.
Para sua base de apoiadores, a prisão seria a prova final da "perseguição do sistema" e poderia servir como um poderoso combustível para manifestações e um discurso de vitimização. A imagem de Bolsonaro como um "preso político" poderia unificar seu campo e influenciar diretamente o resultado das eleições municipais, transformando candidatos alinhados a ele em porta-vozes de sua causa. Há, por parte de analistas de segurança, um temor de que atos mais radicais possam ser convocados, testando a capacidade do Estado de manter a ordem.
Para o governo Lula e o campo progressista, a condenação seria vista como uma vitória da democracia e um recado claro de que ninguém está acima da lei. Seria o ápice de um processo que busca responsabilizar os atores políticos pelos ataques às instituições que marcaram o período recente. No entanto, o governo também teria que lidar com a instabilidade gerada, administrando um país com uma oposição ainda mais aguerrida e mobilizada pelo que consideraria um martírio de seu líder. O julgamento e seu desfecho, portanto, transcendem a esfera jurídica. Eles definirão não apenas o futuro de Jair Bolsonaro, mas também os rumos da polarização, da estabilidade e da própria democracia brasileira nos próximos anos.
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