Deputada do PSOL Quer Mudar Nome da Câmara


Palavras que (Re)constroem: A Luta Simbólica por um Parlamento Mais Inclusivo

A Câmara dos Deputados, palco de debates acalorados e decisões cruciais para o Brasil, pode estar prestes a passar por uma transformação que, embora não altere suas funções primordiais, carrega um peso simbólico imenso. A deputada federal Célia Xakriabá (Psol-MG), voz ativa na defesa dos direitos indígenas e das minorias, protocolou uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) com um objetivo direto e potente: rebatizar a instituição para "Câmara dos Deputados e das Deputadas". A iniciativa, que já angaria o apoio de outras parlamentares, acende um debate necessário sobre representatividade, linguagem e o persistente apagamento feminino nos espaços de poder.

Pode parecer, para alguns, uma questão menor, um preciosismo linguístico em meio a tantas urgências nacionais. Contudo, para o Psol e as defensoras da proposta, a mudança vai muito além da placa na entrada do Congresso Nacional. Trata-se de um ato cultural e pedagógico, um reconhecimento formal de que as mulheres não são apenas visitantes ocasionais ou uma cota a ser cumprida, mas peças fundamentais e ativas na engrenagem democrática. Com 91 deputadas em pleno exercício de seus mandatos – o que representa 17,7% do total de assentos –, a manutenção de uma nomenclatura exclusivamente masculina soa, no mínimo, anacrônica. É como se, apesar de presentes e atuantes, sua existência fosse um rodapé na história oficial da Casa.

O Peso da Tradição e a Força da Linguagem

A linguagem, como bem sabem linguistas e cientistas sociais, não é um mero conjunto de palavras neutras. Ela molda percepções, reforça estereótipos e, não raro, perpetua estruturas de poder. Ao longo de séculos, o masculino genérico foi (e ainda é, em muitos contextos) utilizado como norma universal, refletindo uma sociedade onde o homem era o protagonista por excelência da vida pública. "A linguagem predominantemente masculina na política não é um acaso, mas um reflexo de séculos de exclusão e sub-representação feminina", argumenta o texto da proposta, ecoando um sentimento crescente de que a invisibilidade no discurso contribui para a invisibilidade na prática.

Vamos combinar: ouvir repetidamente "Senhores Deputados" quando há dezenas de "Senhoras Deputadas" no recinto causa, no mínimo, um ruído. Para muitas mulheres, dentro e fora do parlamento, esse "detalhe" é um lembrete constante de um clube que, historicamente, não foi pensado para elas. A mudança para "Câmara dos Deputados e das Deputadas" seria, portanto, uma forma de dizer em alto e bom som: este espaço também é de vocês, por direito e por presença.

A deputada Célia Xakriabá, conhecida por sua trajetória de luta e por trazer para o parlamento a cosmovisão de seu povo, entende bem o poder dos símbolos e das narrativas. Para os Xakriabá, assim como para muitas culturas originárias, o nome carrega essência, história e identidade. Alterar o nome da Câmara, nesse sentido, é também reescrever parte de sua identidade, tornando-a mais fiel à realidade plural do Brasil contemporâneo e, principalmente, ao contingente de mulheres que hoje ocupam aquelas cadeiras.

Entre o Simbólico e o Concreto: Um Passo Necessário?

É claro que a alteração nominal, por si só, não resolve magicamente as disparidades de gênero na política brasileira. A sub-representação feminina ainda é gritante, e os desafios para que mais mulheres cheguem e permaneçam nos espaços de decisão são inúmeros, passando por financiamento de campanha, violência política de gênero, dupla jornada e tantos outros obstáculos. A PEC de Célia Xakriabá não se propõe a ser a panaceia para todos esses males, e suas defensoras têm clareza disso.

No entanto, o valor simbólico da iniciativa é inegável. Ao nomear, reconhece-se. Ao reconhecer, valida-se. E ao validar, envia-se uma mensagem poderosa para a sociedade, especialmente para as meninas e jovens mulheres que hoje olham para a política e talvez não se vejam representadas. Ver a instituição máxima do Legislativo federal ostentando um nome que inclui explicitamente as "deputadas" pode ter um efeito pedagógico e inspirador, mostrando que aquele é, sim, um lugar para elas.

A discussão sobre a inclusão do feminino nos nomes de cargos e instituições não é uma exclusividade brasileira. O Chile, por exemplo, já deu um passo similar: em 2020, seu Parlamento aprovou a mudança para "Cámara de Diputadas y Diputados", uma alteração celebrada como um avanço na luta pela igualdade de gênero no país andino. A experiência chilena serve de espelho e argumento, demonstrando que esse tipo de debate está em sintonia com um movimento global por maior equidade e reconhecimento da diversidade de gênero nas esferas públicas.

Os Próximos Capítulos da Proposta
Como toda Proposta de Emenda à Constituição, a jornada da PEC da "Câmara dos Deputados e das Deputadas" não será simples. Ela precisará tramitar por comissões, ser debatida exaustivamente e, o mais importante, conquistar uma maioria qualificada de votos em dois turnos, tanto na própria Câmara quanto no Senado Federal. É um caminho árduo, que exigirá articulação política, persistência e, fundamentalmente, a sensibilização dos demais parlamentares para a importância da causa.

Os críticos poderão argumentar que há temas mais urgentes na pauta do país. E, de fato, as urgências são muitas. Mas a luta por reconhecimento e representatividade não é, de forma alguma, uma pauta menor ou secundária. Ela está intrinsecamente ligada à qualidade da nossa democracia. Uma democracia que não nomeia, não enxerga e não valoriza a presença de mais da metade de sua população em seus espaços de poder é uma democracia incompleta.

A iniciativa de Célia Xakriabá e suas apoiadoras joga luz sobre essa questão fundamental. Independentemente do desfecho da PEC, o debate que ela suscita já é, por si só, uma vitória. Faz o país refletir sobre como a linguagem que usamos – ou deixamos de usar – no cotidiano da política pode ser tanto uma ferramenta de exclusão quanto um instrumento potente de transformação e inclusão. No frigir dos ovos, o que se busca é que a casa do povo seja, de fato e de nome, a casa de todo o povo, incluindo explicitamente as mulheres que tanto batalham para construir um Brasil mais justo e igualitário. A conferir os próximos capítulos dessa disputa que, no fundo, é sobre o direito de ser nomeada, vista e reconhecida.
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